sábado, 13 de abril de 2013

Variedades Linguísticas





A) Ce qué café?
B) Qué.

A) Pó pô pó?
B) Pó pô!

A) Pó pô pão?
B) Pó pô poquin só.

A “tradução” desse diálogo seria a seguinte:

A:Você quer café?
B: Quero.

A: Posso pôr o pó?
B: Pode pôr!

A: Posso pôr pão?
B: Pode pôr um pouquinho só.

O texto parte do princípio de que os mineiros teriam um ritmo de fala bem mais rápido do que os falantes das outras variedades linguísticas. Contudo, ele exagera visivelmente nesse pressuposto, tanto que algumas palavras chegam a serem reduzidas a uma única sílaba. Além disso, a escolha de termos que tenham principalmente a letra P ajuda a melhor visualizar esse efeito.

De fato, a maioria das variedades lingüísticas acaba sendo, a exemplo do que vimos com a variedade mineira, estereotipada. Passa-se uma idéia que, na realidade, não corresponde à verdade sobre essa língua: exagera-se nas diferenças e, não raro, classifica-se tal variedade como “incorreta” e “feia”. Afinal, quem é que já não ouviu falar que no chamado dialeto caipira fala-se tudo “errado”? Que essa língua é “errada”, “feia”, “pobre”?

Entretanto, na realidade, não é a língua usada por um falante que é pobre, mas sim o próprio falante. A falta de acesso à educação formal contribui para que as classes socioeconomicamente desfavorecidas sejam discriminadas também lingüisticamente, sendo atribuída à língua desses falantes todo o preconceito que pesa sobre eles. Sobre isto, o lingüista italiano Maurizzio Gnerre (1985) concluiu: “Uma variedade lingüística ‘ vale’ o que ‘ valem’ na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais”. (Linguagem, escrita e poder, São Paulo, Martins Fontes, p.4).

Variações regionais: os sotaques

Se você fizer um levantamento dos nomes que as pessoas usam para a palavra "diabo", talvez se surpreenda. Muita gente não gosta de falar tal palavra, pois acreditam que há o perigo de evocá-lo, isto é, de que o demônio apareça. Alguns desses nomes aparecem em o "Grande Sertão: Veredas", Guimarães Rosa, que traz uma linguagem muito característica do sertão centro-oeste do Brasil:

Demo, Demônio, Que-Diga, Capiroto, Satanazim, Diabo, Cujo, Tinhoso, Maligno, Tal, Arrenegado, Cão, Cramunhão, O Indivíduo, O Galhardo, O pé-de-pato, O Sujo, O Homem, O Tisnado, O Coxo, O Temba, O Azarape, O Coisa-ruim, O Mafarro, O Pé-preto, O Canho, O Duba-dubá, O Rapaz, O Tristonho, O Não-sei-que-diga, O Que-nunca-se-ri, O sem gracejos, Pai do Mal, Terdeiro, Quem que não existe, O Solto-Ele, O Ele, Carfano, Rabudo.

Drummond de Andrade, grande escritor brasileiro, que elabora seu texto a partir de uma variação linguística relacionada ao vocabulário usado em uma determinada época no Brasil.Observe o texto abaixo:

Antigamente
"Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio."
 
Como escreveríamos o texto acima em um português de hoje, do século 21? Toda língua muda com o tempo. Basta lembrarmos que do latim, já transformado, veio o português, que, por sua vez, hoje é muito diferente daquele que era usado na época medieval.

Língua e status

Nem todas as variações linguísticas têm o mesmo prestígio social no Brasil. Basta lembrar de algumas variações usadas por pessoas de determinadas classes sociais ou regiões, para perceber que há preconceito em relação a elas.

Veja este texto de Patativa do Assaré, um grande poeta popular nordestino, que fala do assunto:

O Poeta da Roça

Sou fio das mata, canto da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de paia de mío.
Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argun menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.
Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastero, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.
(...)

Você acredita que a forma de falar e de escrever comprometeu a emoção transmitida por essa poesia? Patativa do Assaré era analfabeto (sua filha é quem escrevia o que ele ditava), mas sua obra atravessou o oceano e se tornou conhecida mesmo na Europa.

Leia agora, um poema de um intelectual e poeta brasileiro, Oswald de Andrade, que, já em 1922, enfatizou a busca por uma "língua brasileira".

Vício na fala

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.

Preconceito linguístico

Uma certa tradição cultural nega a existência de determinadas variedades linguísticas dentro do país, o que acaba por rejeitar algumas manifestações linguísticas por considerá-las deficiências do usuário. Nesse sentido, vários mitos são construídos, a partir do preconceito linguístico.
(*Alfredina Nery Professora universitária, consultora pedagógica e docente de cursos de formação continuada para professores na área de língua/linguagem/leitura)






É por meio da língua que o homem expressa suas idéias, as idéias de sua geração, as idéias da comunidade a que pertence, as idéias de seu tempo. A todo instante, utiliza-a de acordo com uma tradição que lhe foi transmitida e contribui para sua renovação e constante transformação. Cada falante é, a um tempo, usuário e agente modificador de sua língua, nela imprimindo marcas geradas pelas novas situações com que se depara. .Nesse sentido, pode-se afirmar que na língua projeta-se a cultura de um povo, compreendendo-se cultura no seu sentido mais amplo, o conjunto dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e de outros valores espirituais e materiais e características de uma sociedade transmitidos coletivamente.

Ao falar, um indivíduo transmite, além da mensagem contida em seu discurso, uma série de dados que permite a um interlocutor identificar o grupo a que pertence.

A entonação, a pronúncia, a escolha vocabular, a preferência por determinadas construções frasais, os mecanismos morfológicos podem servir de índices que identifiquem:

a) o país ou a região de que se origina;
b) o grupo social de que faz parte (o seu grau de instrução, a sua faixa etária, o seu nível socioeconômico, a sua atividade profissional);
c) a situação (formal ou informal) em que se encontra.

As diferentes maneiras de se “usar” uma língua gera uma grande variedade lingüística.

Se alguém afirmasse “Esses gajos que estão a esperar o elétrico são uns gandulos”, não se hesitaria em classifica-lo como falante de Língua Portuguesa, em sua variante lusa.

Se por outro lado ouvisse , Se abanquem, se abanquem  tchê!”, ficaria claro que se tratava de um falante de Língua Portuguesa, em sua variante brasileira, natural do Sul do país.

O Brasil, em decorrência do processo de povoamento e colonização a que foi submetido e devido à sua grande extensão, apresenta grandes contrastes regionais e sociais, estes últimos perceptíveis mesmo em grandes centros urbanos, em cuja periferia se concentram comunidades mantidas à margem do progresso.
Um retrato fiel, atual, de nosso país teria de colocar lado a lado: executivos de grandes empresas; técnicos que manipulam, com desenvoltura, o computador; operários de pequenas, médias e grandes indústrias; vaqueiros isolados em latifúndios; cortadores de cana; pescadores; plantadores de mandioca em humildes roças ; pompeiros que comercializam pelo sertão; indígenas.

Nos grandes centros urbanos, as variantes lingüísticas geram entre os falantes o preconceito lingüístico, e muitas pessoas são discriminadas por sua forma de falar. No entanto, alguns escritores aproveitaram este fato para caracterizar as personagens que criaram, pois perceberam a riqueza presente nas variantes regionais. Jorge Amado e Graciliano Ramos enriqueceram a literatura brasileira com personagens marcantes como Pedro Bala, Gabriela e Alexandre.
Desvincular o falante de seus costumes e caracteres lingüísticos é afastá-lo de sua essência e autenticidade.





     Portanto:


Variantes Lingüísticas – são usos diferentes que se faz da mesma língua.

As diferenças ocorrem dependendo:

da região em que a língua é utilizada;
da situação em que é utilizada;
da condição social de quem a utiliza;
do grau de escolaridade de quem a utiliza;
do contexto ou da situação em que é utilizada;
da intenção de quem a utiliza;
da pessoa a quem se destina a mensagem;
da origem de quem fala ou escreve;
dos costumes do grupo em que o usuário da língua vive...

Linguagem formal:
segue regras de uma gramática normativa eleita como variedade-padrão,oficial;
menos influenciada por fatores como idade, região, grupo social...
mais utilizada em situações formais: documentos oficiais, textos científicos, textos escolares, palestras, reuniões científicas...
geralmente não emprega gírias.

Linguagem coloquial, informal é caracterizada por:
ser mais utilizada nas situações do cotidiano, isto é, no dia-a-dia, na família, entre amigos;
escolha ou uso de palavras ou expressões do repertório popular, conhecido pela maioria dos falantes;
forma de organizar a frase diferente da variedade ou norma-padrão (como eu vi ele);
emprego de formas reduzidas de palavras (pra, ta, né);
ser mais influenciada por fatores como: idade, região em que é utilizada, profissão, grupo social que o falante mais freqüenta;
ser mais espontânea e descontraída.

Linguagem culta:
É utilizada pelas classes intelectualizadas da sociedade. É a variante de maior prestígio e aquela ensinada nas escolas. Sua sintaxe é mais complexa, seu vocabulário mais amplo e há nela uma absoluta obediência à gramática normativa e à língua dos escritores clássicos.
Linguagem coloquial:
É utilizada pelas pessoas que fazem uso de um nível menos formal, mais cotidiano. Relativamente, a linguagem coloquial apresenta limitações vocabulares incapazes para a comunicação do conhecimento filosófico, científico, artístico, etc. Possui, entretanto, maior liberdade de expressão, sobretudo, no que se refere à gramática normativa. Desenvolvendo-se livre e indisciplinadamente e, não raro, isola-se em falares típicos regionais e em gírias. O Modernismo efetivou a apologia da linguagem cotidiana como melhor veículo de expressão literária, por sua velocidade, espontaneidade e dinamismo, condenando a linguagem culta.
Linguagem popular:
É utilizada por pessoas de baixa ou nenhuma escolaridade. Este nível raramente aparece na forma escrita e caracteriza-se como subpadrão lingüístico. Neste nível, o vocabulário é bastante restrito, com muitas gírias, onomatopéias e formas gramaticalmente incorretas (oropa, pobrema, poblema, nóis vai, nóis fumo, vi ela, lâmpia, etc). Não há, aqui, preocupação com as regras gramaticais.
Regionalismo:
Os estudos dialetológicos de caráter científico iniciaram-se no Brasil com o “Dialeto caipira”, de Amadeu Amaral, publicado em 1920, mas, apesar disso, as pesquisas referentes a esse tema ainda estão, relativamente, em estado primário. Lamentavelmente, grande parte dos livros sobre regionalismo não se preocupa em mostrar as diferenças existentes entre os falares nacionais e sim em mostrar as diferenças entre o Português do Brasil e o Português de Portugal.

O falar brasileiro divide-se entre sul e norte. O que caracteriza esses dois grupos é a expressão cadenciada; a abertura de vogais, a existência de sílabas protônicas, vocábulos diminutivos, advérbios e adjetivos locais, setorizados. Além disso, o regionalismo pode ser definido como meio peculiar de expressão de uma determinada região, refletindo os hábitos e costumes do povo que a habita. Esses vocabulários, expressões e modismos servem, quase que exclusivamente, para comunicar “a cor local”. Para tanto, nem sempre é possível respeitar-se rigorosamente os cânones gramaticais impostos na língua-padrão.

Jargão profissional:
A língua grupal, por sua vez, é hermética, porque pertence a grupos fechados, e existe para tantos quanto forem esses grupos. O jargão é um dos tipos de linguagem grupal. É uma conversação em termos técnicos, daí falar-se em “economês”, “engenheirês”, “sociologês”, etc.
Portanto, o jargão caracteriza-se pela competência de quem o utiliza, por isso, tem que se adequar coerentemente aos nossos vocábulos, enriquecendo-os para que se tenha um bom êxito profissional.
Linguagem giriática:
Outro tipo de linguagem grupal é a gíria. Assim como o jargão, existem tantas gírias quantos forem os grupos que as utilizam: gírias dos jovens (ravers, darkes, clubbers, bykers, skaters, etc.), dos policiais, dos aeronautas, dos jornalistas, etc. A chamada gíria grosseira recebe o nome de calão, contudo, não se deve confundir a gíria com o calão, que é a linguagem dos delinqüentes, dos excluídos.

A gíria pode ser um linguajar muito adequado à expressão informal; é colorida, expressiva, trepidante, dinâmica e, de acordo com Rodrigues Lapa, a gíria nada mais é do que uma forma exagerada de linguagem familiar.
O dinamismo característico da gíria é talvez seu maior defeito, o que, de outra parte, não pode ser recomendado como elemento de estilo. Nem sempre é possível estabelecer distinção precisa entre gíria e expressão popular, mesmo porque, sendo a gíria freqüentemente de origem popular, termina popularizando-se, não poucas vezes, incorporando-se definitivamente à língua.

Antenor Nascentes, em seu livro A Gíria Brasileira, afirma: “Nossa gíria se acha num estado um tanto caótico”; declara: “...inclui a gíria, ao lado da linguagem secreta dos malfeitores (ladrões, malandros, gigolôs, capoeiras) a terminologia especial de certas classes, de certas profissões lícitas, o conjunto de termos particulares, muitas vezes, cômicos, usados por certos grupos sociais como os de estudantes, os de atores, esportistas, militares, etc”.
Neologismos:
Segundo Matoso Câmara Júnior, neologismos são inovações lingüísticas que se firmam numa determinada língua. Podem tratar-se de vocábulos novos (neologismos vocabulares) ou de novos tipos de construção frasal (neologismos sintáticos).
Lingüisticamente, os neologismos resultam do espírito de atualização dos meios de comunicação pela linguagem. Mas João Ribeiro faz uma restrição “Quanto à faculdade de formar palavras novas, é difícil dizer até que limite se deve conceder, mesmo ao escritor, essa regalia”.
Os neologismos revitalizam e atualizam a língua. Por certo, devem ser evitados os abusos, pois todo abuso é passível de censura. As inovações construtivas, porém, que resultam do espírito criador do escritor, estas merecem e exigem o respeito e a admiração do leitor de bom gosto ou justificada formação acadêmica. Cabe, pois, ao escritor, recorrer ao neologismo, no momento oportuno, para atender à exigência da forma de comunicação.
Arcaísmos:
Ainda, de acordo com Matoso Câmara Júnior, em seu Dicionário de Filologia e Gramática, os arcaísmos são vocábulos, formas ou construções frasais que saíram do uso na língua corrente e nela refletem fases anteriores, nas quais eram vigentes. Do ponto de vista comum e sua norma, diz-se que há arcaísmos em falares regionais e que se mantêm por tradição oral formas e construções que a língua comum abandonou e não mais entram em seu uso normal.
Alguns autores apontam como causas dos arcaísmos a pejoração semântica e sinonímica, sobretudo, a chamada pejoração perfeita e procuram dividi-la em reversíveis e irreversíveis, conforme posam ou não voltar à linguagem contemporânea.
Os arcaísmos podem ser gráficos, flexionais, sintáticos e semânticos, sem excluir os arcaísmos léxicos  e devem ser explorados estilisticamente, para que a frase se revigore e, ao mesmo tempo, se torne original.


Espécies de Variação

Variação histórica

Acontece ao longo de um determinado período de tempo, pode ser identificada ao se comparar dois estados de uma língua Portuguesa. O processo de mudança é gradual: uma variante inicialmente utilizada por um grupo restrito de falantes passa a ser adotada por indivíduos socioeconomicamente mais expressivos. A forma antiga permanece ainda entre as gerações mais velhas, período em que as duas variantes convivem; porém com o tempo a nova variante torna-se normal na fala, e finalmente consagra-se pelo uso na modalidade escrita. As mudanças podem ser de grafia ou de significado.

 Variação geográfica

Trata das diferentes formas de pronúncia, vocabulário e estrutura sintática entre regiões. Dentro de uma comunidade mais ampla, formam-se comunidades linguísticas menores em torno de centros polarizadores , política e economia, que acabam por definir os padrões lingüísticos utilizados na região de sua influência e as diferenças linguísticas entre as regiões são graduais, nem sempre coincidindo.

 Variação social

Agrupa alguns fatores de diversidade:o nível sócio-econômico, determinado pelo meio social onde vive um indivíduo; o grau de educação; a idade e o gênero. A variação social não compromete a compreensão entre indivíduos, como poderia acontecer na variação regional; o uso de certas variantes pode indicar qual o nível sócio-econômico de uma pessoa, e há a possibilidade de alguém oriundo de um grupo menos favorecido atingir o padrão de maior prestígio.

Variação estilística

Considera um mesmo indivíduo em diferentes circunstâncias de comunicação: se está em um ambiente familiar, profissional, o grau de intimidade, o tipo de assunto tratado e quem são os receptores. Sem levar em conta as graduações intermediárias, é possível identificar dois limites extremos de estilo: o informal, quando há um mínimo de reflexão do indivíduo sobre as normas lingüísticas, utilizado nas conversações imediatas do cotidiano; e o formal, em que o grau de reflexão é máximo, utilizado em conversações que não são do dia-a-dia e cujo conteúdo é mais elaborado e complexo. Não se deve confundir o estilo formal e informal com língua escrita e falada, pois os dois estilos ocorrem em ambas as formas de comunicação.
As diferentes modalidades de variação lingüística não existem isoladamente, havendo um inter-relacionamento entre elas: uma variante geográfica pode ser vista como uma variante social, considerando-se a migração entre regiões do país. Observa-se que o meio rural, por ser menos influenciado pelas mudanças da sociedade, preserva variantes antigas. O conhecimento do padrão de prestígio pode ser fator de mobilidade social para um indivíduo pertencente a uma classe menos favorecida.


Fonte: google.com

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O Portovelhês de cada dia...

por: Marcela Ximenez

“As influências recebidas no falar de Porto Velho podem ser explicadas através dos vários ciclos de ocupação que Rondônia passou e a origem dos migrantes que ajudaram na formação e ocupação das cidades e municípios nos respectivos ciclos e através da observação lingüística”. “A variação nos falares de Porto Velho” – Nair Ferreira Gurgel do Amaral

Falar de Porto Velho sem lembrar da fala cantada do porto-velhense é deixar uma lacuna. O falar do povo do rio Madeira é marcado por um sotaque melodioso e alegre, cheio de palavras herdadas do Nordeste brasileiro que, claro, passaram por transformações em seu significado, como provocar (= desafiar, Dicionário Aurélio), que em “portovelhês” significa vomitar. Expressões genuinamente porto-velhenses ganharam simpatia e, até mesmo, maior carga de sentido do que o termo do qual seria sinônimo. Um exemplo emblemático é: “Hoje está quente ‘quissó’”. Para quem ainda não conhece, ‘que só’ significa algo muito mais que demais. Coisa de Porto Velho. Ou seja, não está quente demais, está muito mais do que quente.

“O ‘quissó’ é uma marca do falar porto-velhense”, afirma a doutora em Linguística, professora Nair Ferreira Gurgel do Amaral, do Departamento de Línguas Vernáculas da Universidade Federal de Rondônia (Unir). Em 1999 ela começou uma pesquisa sobre ‘a variação nos falares de Porto Velho’, que ainda não foi concluída. O motivo não foi outro além da impossibilidade de se fazer um levantamento diante de tanta diversidade. Uma verdadeira colcha de retalhos.

Para se ter ideia da trabalheira, um grupo de linguistas da Universidade de Campinas (Unicamp) está há cinco anos debruçado sobre palavras, sotaques, expressões...e nada! Os estudiosos querem fazer o mapa linguístico não apenas de Porto Velho, o objetivo é traçar o de Rondônia. “Isso é impossível”, decreta Nair. Toda dificuldade está centrada na grande misturada de falares no Estado. Tem gente do Sul, do Centro-Oeste, do Nordeste, do Sudeste e do Norte.

Especificamente na Capital, as colaborações linguísticas vieram dos Estados nortistas, principalmente do Pará e Amazonas, e do Nordeste. O sotaque local é, sem dúvida, herança dos nordestinos, especialmente os cearenses. Uma expressão coloquial com som característico do Ceará: “Ramupubanhu (= vamos para um banho). A palavra banho é um caso do vocabulário porto-velhense (ver box). Para quem não conhece, tem o mesmo significado de balneário. “Não há dúvida que a maior contribuição na linguagem de Porto Velho é dos nordestinos”, confirma a linguista Nair Gurgel.


Um pouco do peculiar vocabulário porto-velhense

Baladeira – estilingue
Banho – balneário
Benjamin – dispositivo que serve para ligar vários aparelhos elétricos em uma só tomada
Bregueço – coisa qualquer
Caba – maribondo
Capitão – bolinho de comida amassado com a mão
Esculhambar – destruir/quebrar/falar mal
Nome – palavrão
Papagaio – pipa
Pipocar – aparecer
Pisero – festa
Provocar – vomitar

Expressões usuais

Tu é leso é?
Iche, tá demorando que só!
Toma! Não disse que tu ia te lascar?
Maninho do céu!


As crianças e adolescentes porto-velhenses também têm um vocabulário próprio. A brincadeira mais rica em palavras é a peteca, que em Porto Velho é o jogo de bolas de gude.

Abirobado – doido
Abofitar – pegar (roubar) as petecas e sair correndo
Aluguel – mentira
Bolô – peteca de maior tamanho
Catar – movimentar a linha do papagaio, fazendo-o ganhar altura
Escalado – sujeito intrometido, que se oferece para ser convidado
Fona – último a jogar (no jogo da peteca)
Imbiocar – inclinar o papagaio para baixo
Marcando – vacilando
Morcegar – pegar carona nas traseiras de automóveis, principalmente ônibus
Queidar – derrubar papagaio
(O portovelhês nosso de cada dia /Marcela Ximenes · Porto Velho (RO)

A matéria de Marcela Ximenez acima retrata bem as variedades linguísticas encontradas no Brasil a fora e nem sempre valorizadas por nós educadores e como Irandé Antunes disse em uma Aula de português: encontro & interação- São Paulo “As novas concepções de linguística – que, na verdade, já não são tão novas assim – podem nos fazer ver o fenômeno da língua muito além das teias gramaticais, com horizontes bem mais amplos, bem mais fascinantes, bem mais humanos, no sentido de que refletem os usos das pessoas em sociedade, isto é, a língua que a gente usa no dia a dia. Essas concepções podem nos fazer perceber muito mais coisas que o “certo” e o “errado”, muito mais a fazer que dar nomes às coisas e aos fatos da língua. Indo além dos rótulos que a linguagem contém, para deixar-nos embriagar pela sua cor, pelo seu perfume e pelo seu sabor.”

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Graciliano, o grande

ArtigoReinaldo Azevedo
Graciliano, o grande


"Vidas Secas poderia ser um romance de denúncia social, eivado de proselitismo. Mas não. Graciliano Ramos repudiavao chamado ‘engajamento’ na arte"

Evandro Teixeira
METÁFORAS QUENTES DE SOL
O sertão de Graciliano Ramos hoje, fotografado por Evandro Teixeira mundo primitivo em linguagem culta e rigorosa
Graciliano Ramos (1892-1953) nunca foi vítima do preconceito organizado que existe contra o Monteiro Lobato para adultos, por exemplo. Sempre foi considerado entre os grandes escritores brasileiros. Mas há muito a crítica e a academia – esta em especial – negam-lhe o devido lugar no panteão da prosa modernista: o topo, onde segue embalsamado por certa mistificação o sem dúvida inventivo Guimarães Rosa. As razões que levam à superestimação de um concorrem para subestimar o outro.

Por que Graciliano agora? A Editora Record relança a sua obra, sob a supervisão de Wander Melo Miranda. Trata-se de um trabalho bem-cuidado, com a recuperação de textos originais, correções feitas pelo próprio escritor, cronologia e bibliografia de e sobre o autor de Vidas Secas – ou "Cyx Knbot" em búlgaro, uma das dezesseis línguas em que ele pode ser lido. O romance, que completa setenta anos, merece especial atenção: além da edição regular, há uma outra, limitada a 10.000 exemplares, no formato de um álbum, com capa dura e papel cuchê (208 páginas, 99 reais): cuidado à altura das belas fotos de Evandro Teixeira, que acompanham o texto. Sete décadas depois da publicação do livro, o fotógrafo refez o roteiro de Fabiano, sinhá Vitória, Baleia e os meninos.

Vidas Secas? É bastante conhecida uma das mais devastadoras passagens da literatura brasileira: as páginas em que Graciliano narra a agonia e morte da cadela Baleia. Fabiano, que vaga com a família pelo sertão, tangido pela seca, decide matá-la com um tiro para aliviar-lhe o sofrimento. Segue um trecho:

"A carga alcançou os quartos traseiros e inutilizou uma perna de Baleia (...) E, perdendo muito sangue, andou como gente, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo (...). Uma sede horrível queimava-lhe a garganta. Procurou ver as pernas e não as distinguiu: um nevoeiro impedia-lhe a visão. Pôs-se a latir e desejou morder Fabiano (...). Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora, cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas (...). A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia (...). A pedra estava fria. Certamente sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo. Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás (...) gordos, enormes".

Algumas das qualidades que fazem de Graciliano mestre da língua portuguesa e do texto literário estão acima condensadas. Vidas Secas, saído da pena de um escritor das Alagoas, de esquerda, poderia ser um romance de denúncia social, eivado de proselitismo e anseios libertários. Mas não. O autor repudiava o chamado "engajamento" na arte. Referia-se a Jdanov (1896-1948), o comissário da Cultura da URSS que fundara as bases do chamado realismo socialista, como o que era: "uma besta". Baleia é mais comoventemente miserável quando se arrasta sobre dois pés, quando "anda como gente". Ele não deprecia o homem, comparando-o ao cão; antes, hominiza o cão porque vê com compaixão a nossa condição – e essa compaixão inclemente pelo humano é marca da sua obra.Um  dia, em passagem pelo Brasil, José Saramago declarou padecer de "marxismo hormonal". Segundo o escritor português, não merecemos a vida. Ele nos negaria um pedaço de osso. "Preás gordos, enormes", então, nem pensar.

Evandro Teixeira
REGIONALISMO SEM FOLCLORE
O homem do sertão, com seu cachorro, e Graciliano (à dir.): a condição humana expressa na agonia da cadela Baleia 
O mundo da Baleia agonizante é primitivo, feito só de sentidos e sensações. Mas ele nos chega numa linguagem culta, fluente, rigorosa, sem charadas vocabulares para "desconstrução" em colóquios acadêmicos. Tanto em Vidas Secas como na obra de temática urbana, proto-existencialista – Graciliano traduziu A Peste, de Albert Camus, em 1950 –, os adjetivos e as imagens nascem das coisas. Como escrevi num ensaio que integra o livro Contra o Consenso, não há ali "uma única e miserável metáfora que não seja quente de sol (...), pulsante de sangue, aguda de espinhos, dura de pedra. Tudo nasce da matéria precária da vida". A face regionalista de sua literatura não folcloriza a realidade sertaneja, tentando atribuir-lhe alguma metafísica ou lógica interna superiores, que demandassem sintaxe e vocábulos de exceção. O estoque da língua e as regras do jogo lhe bastam. Como ele mesmo escreveu, "começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer".

Atribuo-lhe características de meu gosto pessoal? Não! Era uma escolha consciente. Em 1949, envia uma carta a Marili Ramos, sua irmã. Ela acabara de publicar um conto chamado Mariana. A apreciação do leitor-irmão não tinha como ser mais severa. A tal carta resume um credo literário: "Julgo que você entrou num mau caminho. Expôs uma criatura simples, que lava roupa e faz renda, com as complicações interiores da menina habituada aos romances e ao colégio. As caboclas de nossa terra são meio selvagens (...). Como pode você adivinhar o que se passa na alma delas? Você não bate bilros nem lava roupa. (...) Você não é Mariana, não é da classe dela. Fique na sua classe. Apresente-se como é, nua, sem ocultar nada".
Em Graciliano, a literatura é um jogo da inteligência analítica, como neste trecho de Insônia: "Um silêncio grande envolve o mundo. Contudo, a voz que me aflige continua a mergulhar-me nos ouvidos, a apertar-me o pescoço. (...) explico a mim mesmo que o que me aperta o pescoço não é uma voz, é uma gravata". A conspiração das vozes do silêncio que perseguem o insone perdem imediatamente o encanto de uma maldição metafísica: basta afrouxar a gravata. Sabemos a origem das nossas aflições, o que não quer dizer que tenhamos respostas para elas. Com freqüência, não. E isso nos torna demasiadamente humanos. Não para o comunista Saramago, claro...

Essa lembrança me remete ao mais explicitamente político dos muitos Gracilianos, incluindo aquele que chegou até a ser prefeito da cidade de Palmeira dos Índios (1928-1930). Refiro-me ao livro Memórias do Cárcere, reeditado pela Record em um único volume. O escritor ficou preso entre março de 1936 e janeiro de 1937, acusado de ligações com a conspiração que resultara no levante comunista de 1935. Era mentira. Filiou-se ao PCB só em 1945. Nesse livro, publicado postumamente no ano de sua morte, ele se agiganta. Em muitos sentidos, a cadeia é a caatinga de um Graciliano-Fabiano que, à diferença do personagem de Vidas Secas, consegue se expressar com clareza. Em vez do herói da resistência, o anti-herói dos escrúpulos que comunistas chamariam pequeno-burgueses. Definitivamente, ele não era o "novo homem socialista". Era o velho homem apegado a suas dores privadas, a seus anseios, a suas mesquinharias. Leiam trecho do diálogo que ele trava com um militante comunista russo de nome Sérgio, que acabara de ser torturado. Graciliano pergunta se ele sente ódio: 

"– Ódio? A quem?
– Aos indivíduos que o supliciaram, já se vê.
– Mas são instrumentos, sussurrou a criatura singular.
(...)
– Admitamos que o fascismo fosse pelos ares, rebentasse aí uma revolução dos diabos e nos convidassem para julgar sujeitos que nos tivessem flagelado ou mandado flagelar. Você estaria nesse júri? Teria serenidade para decidir?
– Por que não? Que tem a justiça com os meus casos particulares?
– Eu me daria por suspeito. Não esqueceria os açoites e a deformação dos pés. Se de nenhum modo pudesse esquivar-me, nem estudaria o processo: votaria talvez pela absolvição, com receio de não ser imparcial. (...) Fizemos boa camaradagem. Mas suponho que você não hesitaria em mandar-me para a forca se considerasse isto indispensável.
– Efectivamente, respondeu Sérgio carregando com força no c. Boa noite. Vou dormir. Estendeu-se na cama agreste, enfileirada com a minha junto ao muro, cruzou as mãos no peito. Ao cabo de um minuto ressonava leve, a boca descerrada a exibir os longos dentes irregulares. Nunca vi ninguém adormecer daquele jeito. Conversava abundante, sem cochilos nem bocejos; decidia repousar e entrava no sono imediatamente."

Como se vê, também os monstros morais podem ser torturados. Notem como Sérgio dorme tranqüilo, mesmo depois de supliciado, e com rapidez, o que espanta o observador. Está certo de seu senso de justiça como o crente em uma religião qualquer. Esquerdistas convictos nunca têm dúvidas. Já os personagens do autor de Insônia – a começar do próprio Graciliano em Memórias do Cárcere – não descansam nunca. Quando o brutal Paulo Honório, em São Bernardo, vê consumada a sua obra, restam-lhe a solidão e a insônia. O tema aparece em Angústia ("visões que me perseguiam naquelas noites compridas"), no autobiográfico Infância ("À noite o sono fugiu, não houve meio de agarrá-lo") e até nas suas cartas de amor. O homem de Graciliano vive em vigília, num ambiente sempre hostil, seja a caatinga, a cadeia ou as paisagens íntimas.

Falei de sua compaixão pelas dores humanas. Também nesse caso, seu horizonte não é finalista: não tem uma resposta para a nossa condição nem a vê com moralismo. Paulo Honório, por exemplo, acaba, na prática, matando quem tentara proteger: Madalena, a sua mulher. Tem ciúme da piedade que ela sente do mundo e ódio da sua própria incapacidade de se comover. Narrado em primeira pessoa, o romance não o caracteriza como um monstro. É só um ser desesperado tentando, como todos nós, sobreviver, salvar-se. Honório não é diferente da estabanada menina Luciana, do conto Minsk, nome do seu periquito. Um dia, numa de suas trapalhadas, ela pisa num objeto mole e ouve um grito. 

"Os movimentos de Minsk eram quase imperceptíveis; as penas amarelas, verdes, vermelhas, esmoreciam por detrás de um nevoeiro branco.
– Minsk!
A mancha pequena agitava-se de leve, tentava exprimir-se num beijo:
– Eh! eh!"

"Todo homem mata aquilo que ama", escreveu na cadeia o escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900). Por isso nos arrastamos, como Baleia, vida afora, em busca de perdão. Somos uns cães. Mas, ainda assim, dignos de amor. E cerraremos os olhos contando acordar felizes, num mundo "cheio de preás gordos, enormes".

Fonte:  
http://veja.abril.com.br/101208/p_180.shtml